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Sobre as propostas de Bolsonaro para EaD (e educação em geral)

Trabalho bastante na área de educação à distância, ou EaD: sou doutor em Educação (com publicações em áreas relacionadas) e professor na UFABC, onde leciono cursos sobre EaD (e em modalidade EaD), e onde atuo como coordenador adjunto do setor responsável por EaD na instituição — o NTE/UFABC. Em função dessa proximidade, senti a importância de fazer uma análise das propostas de Bolsonaro sobre o tema, que considero extremamente problemáticas. Elaborei e publico essa análise na minha condição de cidadão, e ela não tem nenhum vínculo com minha instituição.

Não faz sentido apostar em EaD na educação primária

A proposta sobre EaD de Bolsonaro que se tornou mais conhecida é a de adotar essa modalidade a partir do ensino fundamental. Em todo o mundo, o investimento público em EaD nessa etapa é raro e proporcionalmente muito pequeno; isso tem razões óbvias, e que são ainda mais relevantes em um país como o Brasil.

Em primeiro lugar, a tarefa fundamental da educação não é a mera transmissão de conteúdo, mas sim a formação plena do indivíduo. Isso inclui sua capacidade de socialização (dialogar, compartilhar, respeitar regras e diferenças), cujo aprendizado é particularmente importante para crianças e adolescentes. Por mais que algumas abordagens de EaD favoreçam a socialização, o ensino presencial bem conduzido ainda é imbatível nesse sentido — ainda mais para o aprendizado inicial dessa capacidade, entre crianças e adolescentes.

Em segundo lugar, a EaD moderna requer uma infraestrutura tecnológica significativa: computadores, celulares, conexão a internet etc. Na esmagadora maioria das escolas públicas, essa infraestrutura é insuficiente ou ausente; e que dizer de tal infraestrutura nas casas dos alunos, então — situação que é ainda pior nas regiões mais pobres do país.

Em terceiro lugar, a EaD de boa qualidade também requer que os estudantes (e professores) possuam uma grande quantidade de conhecimentos e habilidades prévias: não só a língua escrita, mas também a fluidez para se expressar em registros diversos (fóruns, e-mails, postagens, vídeos); não só o uso do computador, mas também o domínio da navegação na internet e de softwares diversos, incluindo o AVA (ambiente virtual de aprendizagem) utilizado. É evidente que os alunos da educação primária ainda não possuem a maioria desses conhecimentos, e — outra vez — isso é ainda mais verdadeiro entre os mais carentes.

Em resumo, a EaD tende a ser pouco adequada para essa etapa, e demandaria investimentos muito altos (e de baixa eficiência) em um país como o Brasil.

EaD de qualidade não é “padronizada”, e sim plural

Se ainda assim o governo quisesse adotar EaD na educação primária, como propõe o candidato, a única maneira de viabilizar isso a curto prazo (ainda mais com os investimentos em educação congelados pela “PEC do teto” de Temer, apoiada pelo candidato) seria usando modelos de EaD que sacrificam drasticamente a qualidade do ensino. Esses modelos costumam incluir as seguintes estratégias:

  • uso de infraestruturas tecnológicas mais simples e disseminadas (como a TV e o rádio), e aumento do número de estudantes para cada professor, o que em ambos os casos reduz a interação (dos estudantes entre si, e dos estudantes com professores);
  • transmissão de aulas ou materiais educacionais no modelo broadcast (enviados de forma centralizada, por meios de comunicação massivos e de baixo custo, como TV e rádio);
  • uso de aulas e materiais educacionais padronizados (o que diminui custo de produção, mas tem efeito brutal na qualidade, pois impede a adequação para as realidades locais).

As declarações de Bolsonaro sobre o tema sugerem que esse seria o caminho adotado. Com efeito, em entrevista à Globo News, ele defendeu sua proposta de EaD da seguinte maneira (em todas as citações, os grifos são meus):

ao ter, por exemplo, um dia por semana esse ensino à distância, [você poderia] padronizar no Brasil algumas matérias.

Os estudos na área de educação à distância vão na contramão dessa proposta, e mostram que o diálogo, a interatividade e a pluralidade são (como na educação presencial, em grande medida) fundamentais para a qualidade do ensino. E isso vale inclusive para áreas como matemática e ciências; para que alunos aprendam, é de suma importância que se use exemplos e linguagem adequados às suas regiões e culturas, e que o material didático e as aulas possam ser adequados ao nível e às necessidades de cada contexto; em ambos os casos, o oposto da padronização centralizada. Os professores locais são insubstituíveis para identificar essas características e fazer a mediação necessária; sem garantir-lhes liberdade para planejar suas aulas, selecionar e adaptar os materiais mais adequados — liberdade para ensinar, enfim —, não é possível fazer educação de qualidade.

EaD não “combate marxismo” (e nem deveria)

A justificativa de Bolsonaro para essa proposta de massificação da EaD, no entanto, não está fundamentada na qualidade do ensino, mas sim no combate à “doutrinação” que ele supõe caracterizar a educação brasileira. Veja-se o contexto da sua fala citada acima, bem como outra entrevista recente:

Nós temos hoje em dia uma certa doutrinação nas escolas. Você poderia, ao ter, por exemplo, um dia por semana esse ensino à distância, padronizar no Brasil algumas matérias. [Entrevista à Globo News]

Conversei com um grego em São Paulo. Gostei muito do [método de] ensino a distância dele. Você ajuda a combater o marxismo. Pode começar por um dia por semana, para baratear. [Entrevista coletiva em agosto]

Para início de conversa, não faz nenhum sentido dizer que uma modalidade de ensino (a EaD) “combate” uma escola de pensamento. A EaD não tem tais propriedades mágicas: seria como afirmar que “conversar por e-mails combate o racionalismo”, ou coisa que o valha.

E, mais importante ainda, é só ler nossa constituição para saber que não é tarefa da educação “combater o marxismo”:

Art. 205. A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.

Art. 206. O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios:

I – igualdade de condições para o acesso e permanência na escola;

II – liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber;

III – pluralismo de idéias e de concepções pedagógicas, e coexistência de instituições públicas e privadas de ensino

Surpresa: quem quer fazer doutrinação é… Bolsonaro

E se Bolsonaro quer a EaD para “combater marxismo”, que objetivo ele enxerga na educação de forma geral? Que tipo de indivíduo ela deve formar? Ele responde neste trecho da já citada entrevista à Globo News:

O que eu quero é salvar as universidades e os nossos jovens, para que na ponta da linha, eles sejam um bom empregado, um bom patrão, um bom liberal.

Em suma, Bolsonaro quer que escolas e universidades formem “bons liberais”: que alunos estudem e se moldem às ideias de uma única escola de pensamento, o liberalismo. Nada de garantir a efetiva liberdade de pensamento, ou que estudantes sejam expostos ao “pluralismo de ideias”, como exige a constituição; nada de formar cidadãos críticos, capazes de pensar por conta própria: só devem ser “bons liberais”.

Reparem que o problema nisso não é a escolha pelo liberalismo em si; na minha formação, tive bons professores que ensinaram sobre marxismo, e outros — também bons — que ensinaram sobre liberalismo (e uma maioria que ensinou sobre outras coisas ainda). Não se trata aqui, enfim, de julgar o mérito de uma ou outra escola de pensamento: mas de reconhecer que se um presidente quer combater o ensino sobre uma delas, e padronizar matérias para garantir que os estudantes sigam uma outra… isso sim é doutrinação. Doutrinação muito mais certa e evidente do que a que Bolsonaro imagina existir hoje (quando não há matérias padronizadas, nem proibição ao ensino de certas escolas de pensamento).

EaD no Brasil: “recusas dogmáticas” ou desconhecimento da realidade atual?

Para concluir, vale abordar o que o plano de governo do candidato (curiosamente organizado à moda de uma “apresentação de PowerPoint”) diz sobre EaD (p. 46):

Educação à distância: deveria ser vista como um importante instrumento e não vetada de forma dogmática. Deve ser considerada como alternativa para as áreas rurais onde as grandes distâncias dificultam ou impedem aulas presenciais.

Ora, mas no Brasil de hoje a EaD não é “vetada de forma dogmática”; pelo contrário: desde 2006, o MEC conduz um programa bastante ambicioso nessa área, o Universidade Aberta do Brasil (ou “sistema UAB”). Voltado à formação profissional (principalmente para professores da educação básica) e de nível superior (graduações, especializações e mestrados profissionais), ele envolve mais de 100 instituições de ensino e centenas de polos presenciais em todos os estados do Brasil (veja neste mapeamento), que oferecem 750 cursos para mais de 200 mil estudantes atualmente matriculados (a fonte dos números é este documento da CAPES). Embora o programa também funcione como “alternativa para áreas rurais”, consegue ir além disso: um levantamento identificou que a UAB já teve alunos de mais de 65% dos municípios brasileiros — capilaridade impressionante que foi alcançada em pouco mais de uma década.

Em tempo: quando o sistema UAB foi criado, em 2006, o ministro da Educação era Fernando Haddad.

 

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Declaração de voto

Tenho pensado que é cada vez mais importante conversarmos sobre a situação política do país, e nos posicionarmos de forma clara, mas tranquila: para enfrentar tanto a apatia como a polarização sectária. Por isso, este ano resolvi registrar aqui minhas reflexões e escolhas para a eleição de 2018.

Parênteses: (sub-)representatividade

Um dos critérios que tem sido cada vez mais importante nas minhas escolhas nas eleições é o da importância de elegermos pessoas de grupos discriminados, e que (não por coincidência) são sub-representados nos espaços de poder e tomada de decisão: particularmente, mulheres, pessoas negras e LGBTs. Sem deixar de considerar o alinhamento ideológico e a estratégia política, tenho privilegiado quem é de pelo menos um desses grupos. A maioria dos meus votos é para o PSOL — em grande parte pela afinidade com minha visão política, mas sem dúvida também porque é um partido que tem boa representação de mulheres, negros e LGBTs, com muitos bons quadros e candidatos desses grupos.

Deputada federal

Começo pelos parlamentares: acredito que, ganhe quem ganhar a eleição presidencial, um parlamento mais progressista será essencial para os próximos anos.

Pra Federal, votarei na Sâmia Bonfim. Ela é feminista, foi uma ótima vereadora em São Paulo, e faz parte de uma geração combativa, que na minha opinião merece entrar com tudo na política representativa. Fiquei bastante dividido entre votar nela e no Douglas Belchior (também do PSOL), que tem uma candidatura e trajetória muito sólidas, pautadas nas questões das periferias e da população negra — mas na escolha final pesou a densidade e amplitude do programa da Sâmia, que me impressionou muito.

Também votaria na Luíza Erundina (mas acho que ela já vai se eleger) e no Paulo Teixeira (que vem tendo atuação importante em favor da educação pública e dos direitos na internet), do PT.

Deputada estadual

Vou votar na Ana Mielke. Ela tem uma longa trajetória junto ao Intervozes, um coletivo político seríssimo (cuja atuação eu acompanho desde o começo da década de 2000), e que milita pela democratização da comunicação, uma das áreas mais estratégicas para transformarmos o Brasil (não é por acaso que ela é uma das únicas candidaturas que eu vi falar sobre software livre no setor público). Aqui também fiquei dividido, pois descobri recentemente uma candidata que me pareceu muito merecedora de voto, a Hailey Kaas; ela tem propostas boas sobre direitos das LGBTs e das mulheres, e articula isso a uma visão política mais ampla. Na última eleição votei em outra candidata mulher trans (a Luiza Coppieters), e espero que a Hailey consiga ser a primeira pessoa trans a se eleger para a assembleia.

Votaria também no Adriano Diogo, do PT, que foi um parlamentar fundamental na Alesp para que os casos de estupro na Medicina / USP fossem levados a sério; e gostei bastante da proposta de candidatura coletiva da Mônica da Bancada Ativista.

Senador

Meu primeiro voto é para o Eduardo Suplicy. Acho fundamental mantermos um senador de esquerda por São Paulo, e o Suplicy é comprometido com causas importantes, além de ter uma bela trajetória parlamentar.

Meu segundo é para a Silvia Ferraro. Votaria também (sem pestanejar) no Daniel Cara; ambos têm trajetórias admiráveis na defesa da educação, mas aqui pesou meu critério de representatividade de gênero.

Presidente

Em toda a minha vida, nunca tivemos uma situação como a atual: entre os primeiros das pesquisas, temos um candidato que não tem nenhum pudor de fazer abertamente declarações homofóbicas, machistas, racistas, além de defender a ditadura de 1964 e a tortura. Por conta disso, para os meus conhecidos que não são de esquerda, eu tenho sugerido que votem em qualquer candidato, mas n’#elenão.

Meu voto será para o Guillherme Boulos. O PSOL não é um partido perfeito, mas é com a visão e as propostas dele que tenho mais alinhamento ideológico: por um lado, a crítica radical da desigualdade (o grande problema do nosso país, e da grande maioria das sociedades capitalistas), e do uso do estado para atender os interesses dos mais ricos e poderosos; e por outro, a defesa dos direitos humanos, da ampliação das formas de participação popular na democracia, e de uma concepção de estado e organização da economia que coloquem os pobres e trabalhadores — os 99% que realmente produzem a riqueza — em primeiro lugar, com respeito ao meio ambiente e os povos tradicionais. Acho muito importante fortalecer essa parcela da esquerda socialista, que não teme dizer seu nome, nas palavras do Safatle.

Optei por não fazer “voto útil”, principalmente porque tudo indica que teremos um 2o. turno (e com o Bolsonaro contra um candidato progressista com chances de ganhar); mas cogitei, e nesse caso consideraria Ciro, Haddad e a Marina como opções; também vejo méritos nessas candidaturas, mas só votaria nelas no raciocínio de voto útil, pelos problemas que vejo em cada uma delas (respectivamente: o aprofundamento que Ciro traria aos problemas trazidos pela agenda desenvolvimentista, ainda mais com Kátia Abreu; as limitações do PT, como partido que abriu mão de muitas pautas e princípios para buscar hegemonia; e o distanciamento da Marina de lutas centrais da esquerda, em nome da pacificação).

Governador

Meu voto é para a Lisete Arelaro. Conheço ela desde os meus tempos de FE-USP, quando pude ver de perto que ela tem um acúmulo muito grande na área de políticas para a educação, além de muito engajamento político, demonstrado desde a sua resistência à ditadura.

 

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Sobre meu (não) uso do Facebook

Obs.: escrevi este texto como uma mensagem para um grupo específico de pessoas, mas depois percebi que faria sentido postá-lo aqui no blog.

Olá pessoal,

estou escrevendo esta mensagem a todo mundo que pediu para me adicionar no Facebook nos últimos tempos. Vocês talvez tenham se perguntado: “por que ele não aceitou?”; resposta curta: desculpe a gafe — e não, não teve a ver com você, mas sim com o Facebook. 🙂

Agora, a resposta longa (que alguns de vocês talvez já imaginassem, mas por via das dúvidas era legal explicitar). Eu usei o Facebook pela primeira vez por alguns meses entre 2009 e 2010, mas desisti em função do meu incômodo com a publicidade no site, e dos rumores (e algumas notícias) que pipocavam, à época, sobre o descaso da empresa em relação à nossa privacidade. A reflexão sobre essa experiência foi uma das coisas que me levaram a escolher a publicidade comportamental, que Facebook e Google usam, como um caso para pesquisar na minha tese de doutorado, nos anos seguintes. (Em linhas gerais, a conclusão da minha análise foi que, além das violações “individuais” de privacidade, esse tipo de publicidade gera um problema social: a assimetria entre essas empresas e seus usuários tem o potencial de fomentar um aumento crescente do consumismo e/ou crises econômicas significativas.)

Recentemente, quando eu entrei na UFABC, dei-me conta de que precisava estar no Facebook para ajudar a administrar a página do NTE (o núcleo ao qual minha vaga foi atrelada). A situação é diferente quando leciono sozinho uma disciplina; mas enquanto membro do NTE (onde a comunicação é a minha principal responsabilidade), pensei que é importante respeitar a escolha de tantas pessoas da comunidade da UFABC — muitas das quais usam o Facebook como sua principal ferramenta de comunicação —, e que, mesmo que eu tivesse reservas com a plataforma, não fazia sentido colocar minha escolha individual sobre ela radicalmente acima das minhas responsabilidades na instituição.

Decidi aproveitar a oportunidade para avaliar novamente minha posição pessoal sobre o Facebook; cogitei que talvez não fosse razoável eu me recusar a usá-lo, considerando o caráter do meu trabalho como professor e servidor público (que demanda debate, publicização), ou mesmo o meu próprio desejo de manter contato com amigos e socializar; talvez fosse um trade-off necessário.

Cheguei a adicionar dois amigos, mas em pouco tempo voltei atrás (em relação a esse uso pessoal). Não nego as possibilidades que o Facebook oferece, mas ainda existem na rede muitas outras formas de participar de debate público e dialogar com meus pares e amigos (e-mail, Twitter, Mastodon, blogs…). Elas também não são perfeitas, é claro (e até por isso migrei do Gmail, e ainda penso em levar este blog para um servidor próprio…) — mas na minha impressão, o Facebook é particularmente ruim: não só ele continua baseando seu negócio na violação da nossa privacidade de todas as maneiras possíveis (essa matéria recente faz um bom apanhado), como passou a ter cada vez mais potencial de fazer estrago (vide a nascente carreira política de nosso grande irmãozinho Zuckerberg).

Enfim, foi apenas por isso que não te adicionei; mas recentemente notei que posso ter passado uma impressão errada — de desdém, ou algo do gênero — ao fazê-lo de forma silenciosa. Não era minha intenção. Pretendo continuar usando o Facebook para lidar com a página do NTE, mas te convido a conversar comigo por e-mail (se você não tem o endereço, pode me escrever por aqui), ou por outras ferramentas em que também disponibilizo meus trabalhos e escrevo sobre variedades: meu blog, e minhas contas no Twitter (@miguelsvieira) e Mastodon (miguelsvieira@ecodigital.social). Se puder, mande-me também seus avisos de eventos, convites etc. por essas ferramentas: será um prazer recebê-los.

Um abraço,
Miguel

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Periódico da Nature em acesso aberto “puro”: já podemos comemorar?

(Este texto foi publicado inicialmente no blog do grupo de trabalho em Ciência Aberta.)

A editora Nature informou recentemente que, em outubro, seu periódico Nature Communications se tornará de acesso aberto “puro”: todos os artigos publicados a partir de então poderão ser lidos e reutilizados gratuitamente (a princípio eles entrarão no ar sob uma licença Creative Commons-BY, que permite praticamente todo tipo de uso e reuso). Até hoje o periódico era híbrido, publicando em acesso aberto ou fechado de acordo com a opção do autor, mas agora ele será exclusivamente de acesso aberto. O grupo que publica a revista Science também já possuía um periódico de acesso aberto “puro”, o Science Advances — mas parte dos artigos eram publicados sob a licença CC-NC, que impede usos comerciais.

Pronto: os maiores bastiões da publicação científica tradicional dão sinais claros de apoiar o avanço do acesso aberto. Será que já podemos estourar as champanhes? É evidente que a notícia tem aspectos positivos: vidas poderão ser salvas em países pobres, quando médicos, por exemplo, tiverem acesso às informações científicas mais atualizadas — informações que antes estavam fechadas atrás de um paywall intransponível para a maioria do terceiro mundo. Os trabalhos publicados sob acesso aberto tendem a alcançar mais visibilidade, e isso pode beneficiar a pesquisa de países como o Brasil.

O quadro, no entanto, é mais complexo do que parece. Nesses dois casos, Nature e Science adotam um modelo específico de acesso aberto: o chamado “modelo ouro”, em que os custos da publicação são cobertos por uma taxa cobrada dos autores dos artigos aprovados (o article processing charge, ou APC); o acesso aos artigos é aberto para leitores e usuários, mas o acesso a esse espaço de publicação é fechado aos autores que puderem pagar a cobrança. No caso do Nature Communications, essa cobrança é de US$ 5000 por artigo, uma das mais altas em qualquer periódico existente (em 2010, a maior registrada era de US$ 3900 — segundo o levantamento de um artigo… em acesso fechado).

Essa cobrança equivale a quase dois meses de salário líquido de um professor brasileiro nas melhores carreiras de universidades públicas (as de dedicação exclusiva). Quem aí topa pagar 15% de sua renda anual para publicar um artigo? A Nature informou que dispensará o pagamento da taxa para pesquisadores de uma lista de países mais pobres (mas que não inclui Brasil, China, Índia, Paquistão e Líbia, entre outros), e também para outros numa análise “caso a caso” — mas sem dar mais nenhuma informação objetiva sobre essa política. (Palpito que é melhor não apostar numa generosidade desbragada da editora que cobra US$ 32 para quem quer ler um único artigo, ou US$ 18 para ler uma única seção de cartas [!] das suas revistas.)

Por outro lado, a tendência mundial é que as instituições às quais os pesquisadores estão vinculados (a universidade em que ele trabalha, ou a agência de fomento à pesquisa que financia sua pesquisa) arquem com parte dessas cobranças, em parte pelo valor que atribuem à publicação em periódicos de alto impacto. A Fapesp, por exemplo, oferece um apoio específico para pagar essas taxas, e também autoriza que elas sejam pagas com a chamada “reserva técnica” de bolsas e apoios a projetos de pesquisa. Ocorre, porém, que a verba disponível para esses auxílios é limitada, e em geral eles não são dados automaticamente; no exemplo da Fapesp, os pesquisadores concorrem entre si pela verba, e um dos principais critérios de avaliação é — como em quase toda a burocracia acadêmica hoje — o histórico de publicações do autor:

Critérios de análise […]

a) Histórico Acadêmico do Solicitante

a.1) Qualidade e regularidade da produção científica e/ou tecnológica. Elementos importantes para essa análise são: lista de publicações em periódicos com seletiva política editorial; livros ou capítulos de livros […]

Ou seja, o pagamento pelas instituições tem boas chances de alimentar uma espécie de espiral viciosa, em que pesquisadores que já publicam em grandes revistas conseguem mais dinheiro e mais chances de publicar, e os demais não.

O avanço do acesso aberto pela via do modelo ouro ainda envolve outro risco: a proliferação das chamadas editoras predatórias. Trata-se de editoras que fazem da publicação em acesso aberto (com pagamento por autores) um negócio em que o lucro é maximizado por meio da redução drástica dos padrões de qualidade exigidos na revisão por pares — ou mesmo pela virtual eliminação da revisão: se pagar, publica-se. Por um lado, esse modelo satisfaz as cobranças de produtivismo sobre pesquisadores (cujas carreiras são avaliadas pelo crivo do lema publicar ou perecer); por outro, ele explora o fato de que, no modelo ouro, é possível tornar o ato da publicação em uma mercadoria, a ser vendida a esses pesquisadores, e com isso obter altas taxas de lucro — mesmo sem recorrer ao monopólio baseado em propriedade intelectual, que era a chave do poder econômico das editoras científicas tradicionais com publicações “fechadas”. O uso de uma lógica estritamente mercantil resulta, aqui, na poluição e degradação do acervo de conhecimento científico da humanidade, pois o central para as editoras predatórias é a maximização de lucro: a qualidade dos artigos é irrelevante, ou apenas um fator secundário.

Evidentemente, não quero com isso dizer que a Nature tornou-se uma editora predatória; mas acredito que exista o risco de uma lenta corrupção do processo de revisão (para garantir mais lucros com publicações) em editoras sérias mas com menos poder de mercado, assim como o risco da multiplicação de periódicos fajutos, que fazem uma revisão por pares apenas de fachada. Nesse último caso, infelizmente não se trata de um risco hipotético: esse “modelo de negócio” escuso já é adotado em centenas de periódicos.

Mas será que então estamos num beco sem saída quanto a esse problema da mercantilização da publicação científica? Ele estará presente seja nos periódicos fechados, seja nos de acesso aberto? Não necessariamente: mesmo no interior do modelo ouro, há iniciativas positivas nesse sentido — é o caso da Public Library of Science (PLOS), uma editora em acesso aberto que cobra pela publicação, mas funciona sem finalidades de lucro; por conta disso, ela não tem motivos para eliminar critérios de qualidade na seleção de artigos com vistas a obter mais com a cobrança por publicação. Talvez isso também explique o fato de ela possuir uma política de isenção de taxas para pesquisadores pobres (ou de países pobres) mais transparente e com cobertura mais ampla do que a da Nature. E vale lembrar, por fim, que o modelo ouro não é o único modelo existente para a publicação em acesso aberto: a principal alternativa é o modelo verde, baseado em repositórios institucionais. Esse modelo impõe uma série de desafios de coordenação e de custeio, mas a tendência é que nele a publicação deixe de seguir uma lógica estritamente mercantil, e siga um modelo mais próximo dos interesses comuns da sociedade e da comunidade acadêmica; ele não é propriamente um substituto do modelo ouro (até porque a princípio ele não é pensado para custear a revisão por pares), mas é importante juntar esforços para fortalecê-lo, evitando que o modelo ouro torne-se a única via para o acesso aberto.

(Os comentários que fiz aqui estão diretamente relacionados à minha tese de doutorado sobre bens comuns e mercantilização, onde esses assuntos são explorados com um pouco mais de detalhe — principalmente na introdução e no capítulo 4, pp. 17-20 e 272-88. Este post nasceu de um debate na lista do Grupo de Trabalho Ciência Aberta.)

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Homenagem a Imre Simon

Ontem ocorreu a cerimônia de outorga do título de professor emérito ao Imre Simon; foi bastante emocionante.

Surpreendeu-me descobrir que a defesa que ele fazia do conhecimento livre e da produção colaborativa talvez tenha sido influenciada pelo período em que ele teve cargos administrativos na USP, época em que coordenou a implantação da rede de internet em praticamente todos os prédios. É que, até então, o uso da internet (e de computadores também, em certa medida) na USP era bastante centralizado e restrito; o Imre ajudou a inverter esse quadro.

Só não sei se isso foi o ovo ou a galinha (isto é, se foi fruto de uma crença anterior na importância do acesso ao conhecimento, ou se foi justamente esse processo que formou tal crença nele). Ou se as coisas andaram juntas. Talvez tenha sido a galinha: segundo o Arnaldo, que fez mais um belo discurso ontem, para quem sempre fez ciência livre, como o Imre, software livre (e, acrescento, o conhecimento livre) era nada mais que uma extensão natural dessa prática.

Segue abaixo o texto que escrevi sobre o Imre, a convite de colegas seus. (Atualização: já está disponível a coletânea com todos os discursos e homenagens.)

Tomo emprestada, para esta pequena homenagem, uma ideia que o Arnaldo Mandel mencionou no dia do enterro de Imre, e que me parece muito adequada para descrevê-lo: Imre não era só um grande cientista; ele era um grande líder. Não um líder naquele sentido individualista e competitivo, que com alguma frequência ouvimos hoje em dia, mas um líder agregador. Suspeito que Imre ― conhecedor que era do mundo da colaboração na internet (do software livre, da Wikipédia, do Acesso Aberto), que ele tanto admirou e defendeu ― sabia que, ao fim, o esforço coletivo transcende o esforço individual; mas que, para que isso aconteça, é necessário o exemplo desse líder agregador, que conecta pessoas e inspira suas ações. Talvez por isso ele tenha sido fonte de motivação para tantos de nós ― diferentes e diversos, como somos, que nos reunimos em torno dele, vendo nesse homem um espírito semelhante.

Eu aprendi muito com Imre Simon. Sempre me impressionei pela maneira generosa como ele me tratou; conversava comigo de igual para igual, a despeito das nossas diferenças de idade, de experiência ― e até, em alguns casos, de opinião. Nessas ocasiões, ele assumia a postura que, para mim, é a de um grande acadêmico: ouvia (coisa tão simples, mas tão rara…), expunha suas ideias, e convidava o interlocutor a pô-las na mesa, misturá-las, contrapô-las, e a analisar o que resultava. Uma pessoa de muito conhecimento, mas que não tinha medo de experimentar ou pôr suas crenças à prova.

Apesar da tristeza de não tê-lo mais por aqui, posso dizer ― como muitos outros, não tenho dúvida ― que o seu legado é e continuará sendo muito presente em minha vida. Cada uma das coisas que escrevi, desde que trabalhamos juntos, deve algo ao que ele me ensinou nesse período; à generosidade e abertura intelectual que ele transpirava. Um bom exemplo dessa abertura reside em uma das recomendações de leituras que ele fez a mim: ele, cientista da computação, convenceu a mim, comunicador, a ler certo livro de uma cientista política; indicação que motivou o meu mestrado na filosofia da educação. Acho que ele ficou feliz ao saber disso; e acho que, se estivesse vivo, também teria ficado feliz ao saber que esse mesmo livro rendeu à sua autora, Elinor Ostrom, o Prêmio Nobel em… Economia.

Espero que sejamos capazes de continuar criando e compartilhando coisas novas e inesperadas a partir desse legado, como imagino que ele gostaria que ocorresse.

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Fapesp e patentes

Ao concluir meu pedido de bolsa para a Fapesp, dei de cara com uma surpresa (clique para ampliar).

A Fapesp me “advertia” que meu orientador, pesquisador na área de Filosofia e Educação, não tem nenhuma patente.

O que será que esperavam que ele patentasse? Um método de reflexão sobre o ensino? Triste, triste.

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Evento: direito autoral audiovisual e ISAN

No dia 3 de abril de 2008, a ABRISAN e a ABRAMUS promoverão um debate para discutir gestão coletiva de direito autoral no setor audiovisual.

O evento também servirá para “celebrar” a chegada do ISAN (International Standard Audiovisual Number, algo como Número Padrão Internacional para Audiovisuais) ao Brasil. O que é o ISAN? Em linhas gerais, trata-se de um código similar ao que é o ISBN: um identificador único mundial para cada obra (livros no ISBN, audiovisuais no ISAN).

O pulo do gato é que o ISAN aplica-se a obras majoritariamente digitais: arquivos MPG, discos Blu-ray (“sucessores” do DVD, nos quais a codificação ISAN é obrigatória), jogos de videogame etc. Para o usuário, o ISBN servia basicamente para consulta a preços em lojas com leitores de códigos de barra. No caso do ISAN, cada uso das obras poderá permitir uma identificação: a próxima versão do Windows será capaz de, digamos, manter uma listagem de todos os filmes que foram assistidos naquele computador; o iPod poderá avisar seu servidor caso você tente assistir de novo àquele seriado pelo qual só pagou para assistir uma vez. (Não se trata da teoria da conspiração. Um exemplo razoavelmente antigo: para serem vistos perfeitamente em computadores, os DVDs brasileiros de Guerra nas Estrelas requerem que seja instalado o InterActual PCFriendly, um programa tocador que está no DVD. Esse programa manda para o servidor da InterActual dados pessoais do usuário, que podem incluir nome, endereço e DVDs assistidos.)

Além disso, o ISAN poderá ser implementado não só como um código de barras na caixinha do filme (que pode ser protegido contra falsificação por “nanotecnologia invisível inserida no material e na tinta” — sim, é sério), mas também como uma marca d’água, que acompanha toda cópia digital daquele conteúdo. Pegou um jogo do vizinho para jogá-lo em seu videogame? Pode ser que o detentor dos direitos seja avisado via internet. Subiu o filme (um trecho, quem sabe) no YouTube, ou usou-o em um documentário? Idem. Passou o filme num cineclube ou biblioteca? Pode ser que alguém receba uma carta de cobrança na semana que vem. (O ISAN é compatível com iTunes, Xbox, Zune, entre outras plataformas; bem-vindo à “permission culture”.)

Essas são, naturalmente, apenas possibilidades de uso — mas não tenho dúvidas de que as principais razões para a implementação desse código estão ligadas à pirataria e à coleta de royalties. Não por acaso, os textos sobre o ISAN sempre mencionam esses temas. Na ABRISAN (grifo meu):

Missão: Codificar no padrão ISAN as obras audiovisuais para sua identificação no Brasil e no mundo, possibilitando a arrecadação e distribuição dos valores financeiros advindos dos direitos de execução pública das mesmas obras audiovisuais.

O texto da ISAN internacional é ainda mais instrutivo (tradução e grifos meus):

O ISAN é uma ferramenta desenvolvida principalmente para a comunidade de produtores audiovisuais. É pensado para possibilitar uma identificação única e permanente de todas as obras audiovisuais.

“Queimada” na cópia master e nas cópias subsequentes de obras audiovisuais, será uma ferramenta para:

  • gerenciamento de direitos de “biblioteca” e de audiovisuais [library and audio-visual rights management]
  • rastreamento e verificação do uso por compradores / licenciados, tais como emissoras e / ou editores de video / DVD etc.;
  • rastreamento de usos ilícitos / não licenciados (anti-pirataria).

Também irá mostrar-se como uma ferramenta útil para sociedades de gestão coletiva de produtores, e um bem importante na luta contra a pirataria audiovisual.

(Quem cantou a bola foi o Leandro, na lista da COLivre.)

  • O quê: Debate: Direito autoral audiovisual
  • Quem: ABRISAN e ABRAMUS
  • Onde: Rua Boa Vista, 186 – 4o. andar
  • Quando: 3 de abril de 2008, 14h (RSVP até dia 02 de abril pelo telefone 11 3636-6943, com Marcela)
  • Mais informações: veja o texto de divulgação do evento

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A cópia privada e os livros fora de catálogo

Uma notícia interessante, que exemplifica como a lei atual de direitos autorais — e a tendência em tratar a cópia privada não-autorizada como caso de polícia, literalmente pode travar o acesso às obras.

José Luis Sanfelice, professor universitário, foi procurado por Marcilene, uma mestranda da Universidade de Sorocaba que buscava um livro seu (Movimento Estudantil — a UNE na resistência ao golpe de 64). Havia procurado-o em sebos, mas sem sucesso. A obra estava esgotada havia dez anos, e Sanfelice sugeriu que ela xerocasse o único exemplar disponível na biblioteca. “Como não fiz reedição, tenho de tornar o conteúdo disponível de alguma forma. Isso pode acontecer com outros autores”, disse ele.

Mas Marcilene não estava com sorte. O livro foi apreendido na copiadora, numa ação policial contra “pirataria”, e está há cinco meses na delegacia, aguardando uma perícia (para verificar se houve mesmo reprodução). Enquanto isso, a orientanda teve problemas com a universidade: “Como estava em débito com a biblioteca, não conseguia cancelar a inscrição numa disciplina do mestrado e quase fui reprovada por falta.” Sanfelice, o autor, dispôs-se a ir à delegacia para tentar liberar a obra, mas foi informado de que isso não resolveria.

A situação beira o absurdo, mas é bastante comum (é similar ao problema das “obras órfãs”). O autor cede os direitos de seu livro a uma editora. A editora deixa de explorar o livro, tirando-o de catálogo. Pronto; enquanto dura o contrato, ninguém mais pode utilizá-lo. A bola é minha: eu não brinco, mas você também não.

Ora, a polícia (provavelmente incentivada por você-sabe-quem) agia em defesa dos autores e da editora; da lei, diriam. Mas calma lá. O autor autorizou… não, o autor incentivou a cópia; e a editora, por sua vez, talvez nem tivesse o direito de impedi-la, pois é bem provável que, passados 21 anos da publicação, o contrato não esteja mais em vigor. (E mesmo que o contrato esteja em vigor, o livro foi copiado porque a editora não o põe mais à venda.) Quem precisava ser defendido, então?

Boa pergunta. Meu palpite é a Marcilene.

(Fonte: Estadão.com.br [link atualizado]. Rolou também na lista do G-Popai.)

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Proposta de mudança da lei de direitos autorais

Uma proposta de alteração da lei brasileira de direitos autorais está sendo discutida no Conselho Nacional de Combate à Pirataria. A principal alteração da proposta é para limitar (sim, você leu direito) os direitos autorais, legalizando a cópia privada integral. Esse tipo de cópia é proibido desde a lei de 1998: hoje, só são legais as cópias privadas de “pequenos trechos”.

Curiosamente, tudo indica que foi a Associação Brasileira de Propriedade Intelectual que encaminhou a proposta: ela foi mencionada por Gustavo Starling Leonardos, presidente da ABPI, num almoço mensal da associação; e além disso, a ABPI tem uma resolução aprovada em 2005 que propõe essa mesma mudança na lei. (O texto dessa resolução também aparece numa petição online do pessoal da FGV/Rio; não sei quem é o ovo, quem é a galinha.)

A resolução de 2005 (que provavelmente está incluída nessa proposta) propõe, resumidamente, que sejam permitidas as cópias privadas integrais que satisfizerem pelo menos duas das condições abaixo:

  1. tenha finalidade de “crítica, comentário, noticiário, educação, ensino, pesquisa, produção de prova judiciária ou administrativa, uso exclusivo de deficientes visuais”;
  2. não tenha finalidade “essencialmente comercial”;
  3. seu efeito no mercado seja “individualmente desprezível”.

Nem tudo é perfeito. A proposta também inclui alteração no Código Penal (art. 184), para tipificar o crime de quebra de mecanismos de proteção (vulgos DRM: “Digital Rights Management”). Um DMCA brasileiro? Como diz o Gaspari, uma no cravo, outra na ferradura. Tomara que as limitações ao direito autoral (como o domínio público e a própria cópia privada) sejam levadas em conta adequadamente nesse caso.

Mas sem dúvida, o saldo pode ser bastante positivo. Aparentemente, a intenção é que a legislação seja enrijecida para os distribuidores e comercializadores de produtos piratas, e não para o usuário individual. Segundo comentaram o Pablo Ortellado e o Jorge Machado (professores da USP, que conversaram com gente envolvida na redação dessa proposta), a ABPI quer que a lei tenha mais respaldo público.

Surpreende. Embora a ABPI não seja apenas uma associação da “indústria”, como a ABPD e a ABDR (segundo o site, a associação “congrega empresas, escritórios de agentes de propriedade industrial, escritórios de advocacia e especialistas”), ela também não é lá um oásis de progressismo; como exemplo, o palestrante do almoço mensal citado foi nada mais nada menos que Alberto Gonzales, o polêmico procurador-geral dos EUA que já foi conselheiro de Bush por 5 anos.

Mas a surpresa maior é que, entre outros efeitos, essa alteração legalizaria praticamente todo o xerox nas universidades. Será que eles combinaram com os russos? E além de saírem “perdendo” com a cópia privada integral, as editoras também não “ganham” nada com a proteção aos DRM (ao contrário das gravadoras e das empresas de software, por exemplo). Acho que isso ainda vai render polêmica.

(Fontes: fiquei sabendo desta notícia primeiramente por Jorge Machado e Pablo Ortellado, e depois pelo blog do Alexandre Atheniense, que comentava notícia do Jornal do Commercio.)

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