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A cópia privada e os livros fora de catálogo

Uma notícia interessante, que exemplifica como a lei atual de direitos autorais — e a tendência em tratar a cópia privada não-autorizada como caso de polícia, literalmente pode travar o acesso às obras.

José Luis Sanfelice, professor universitário, foi procurado por Marcilene, uma mestranda da Universidade de Sorocaba que buscava um livro seu (Movimento Estudantil — a UNE na resistência ao golpe de 64). Havia procurado-o em sebos, mas sem sucesso. A obra estava esgotada havia dez anos, e Sanfelice sugeriu que ela xerocasse o único exemplar disponível na biblioteca. “Como não fiz reedição, tenho de tornar o conteúdo disponível de alguma forma. Isso pode acontecer com outros autores”, disse ele.

Mas Marcilene não estava com sorte. O livro foi apreendido na copiadora, numa ação policial contra “pirataria”, e está há cinco meses na delegacia, aguardando uma perícia (para verificar se houve mesmo reprodução). Enquanto isso, a orientanda teve problemas com a universidade: “Como estava em débito com a biblioteca, não conseguia cancelar a inscrição numa disciplina do mestrado e quase fui reprovada por falta.” Sanfelice, o autor, dispôs-se a ir à delegacia para tentar liberar a obra, mas foi informado de que isso não resolveria.

A situação beira o absurdo, mas é bastante comum (é similar ao problema das “obras órfãs”). O autor cede os direitos de seu livro a uma editora. A editora deixa de explorar o livro, tirando-o de catálogo. Pronto; enquanto dura o contrato, ninguém mais pode utilizá-lo. A bola é minha: eu não brinco, mas você também não.

Ora, a polícia (provavelmente incentivada por você-sabe-quem) agia em defesa dos autores e da editora; da lei, diriam. Mas calma lá. O autor autorizou… não, o autor incentivou a cópia; e a editora, por sua vez, talvez nem tivesse o direito de impedi-la, pois é bem provável que, passados 21 anos da publicação, o contrato não esteja mais em vigor. (E mesmo que o contrato esteja em vigor, o livro foi copiado porque a editora não o põe mais à venda.) Quem precisava ser defendido, então?

Boa pergunta. Meu palpite é a Marcilene.

(Fonte: Estadão.com.br [link atualizado]. Rolou também na lista do G-Popai.)

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Proposta de mudança da lei de direitos autorais

Uma proposta de alteração da lei brasileira de direitos autorais está sendo discutida no Conselho Nacional de Combate à Pirataria. A principal alteração da proposta é para limitar (sim, você leu direito) os direitos autorais, legalizando a cópia privada integral. Esse tipo de cópia é proibido desde a lei de 1998: hoje, só são legais as cópias privadas de “pequenos trechos”.

Curiosamente, tudo indica que foi a Associação Brasileira de Propriedade Intelectual que encaminhou a proposta: ela foi mencionada por Gustavo Starling Leonardos, presidente da ABPI, num almoço mensal da associação; e além disso, a ABPI tem uma resolução aprovada em 2005 que propõe essa mesma mudança na lei. (O texto dessa resolução também aparece numa petição online do pessoal da FGV/Rio; não sei quem é o ovo, quem é a galinha.)

A resolução de 2005 (que provavelmente está incluída nessa proposta) propõe, resumidamente, que sejam permitidas as cópias privadas integrais que satisfizerem pelo menos duas das condições abaixo:

  1. tenha finalidade de “crítica, comentário, noticiário, educação, ensino, pesquisa, produção de prova judiciária ou administrativa, uso exclusivo de deficientes visuais”;
  2. não tenha finalidade “essencialmente comercial”;
  3. seu efeito no mercado seja “individualmente desprezível”.

Nem tudo é perfeito. A proposta também inclui alteração no Código Penal (art. 184), para tipificar o crime de quebra de mecanismos de proteção (vulgos DRM: “Digital Rights Management”). Um DMCA brasileiro? Como diz o Gaspari, uma no cravo, outra na ferradura. Tomara que as limitações ao direito autoral (como o domínio público e a própria cópia privada) sejam levadas em conta adequadamente nesse caso.

Mas sem dúvida, o saldo pode ser bastante positivo. Aparentemente, a intenção é que a legislação seja enrijecida para os distribuidores e comercializadores de produtos piratas, e não para o usuário individual. Segundo comentaram o Pablo Ortellado e o Jorge Machado (professores da USP, que conversaram com gente envolvida na redação dessa proposta), a ABPI quer que a lei tenha mais respaldo público.

Surpreende. Embora a ABPI não seja apenas uma associação da “indústria”, como a ABPD e a ABDR (segundo o site, a associação “congrega empresas, escritórios de agentes de propriedade industrial, escritórios de advocacia e especialistas”), ela também não é lá um oásis de progressismo; como exemplo, o palestrante do almoço mensal citado foi nada mais nada menos que Alberto Gonzales, o polêmico procurador-geral dos EUA que já foi conselheiro de Bush por 5 anos.

Mas a surpresa maior é que, entre outros efeitos, essa alteração legalizaria praticamente todo o xerox nas universidades. Será que eles combinaram com os russos? E além de saírem “perdendo” com a cópia privada integral, as editoras também não “ganham” nada com a proteção aos DRM (ao contrário das gravadoras e das empresas de software, por exemplo). Acho que isso ainda vai render polêmica.

(Fontes: fiquei sabendo desta notícia primeiramente por Jorge Machado e Pablo Ortellado, e depois pelo blog do Alexandre Atheniense, que comentava notícia do Jornal do Commercio.)

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